Incêndio, propina e 'sequestro': o condomínio que ficou 80h sem luz
Em um dos bairros da movimentada Zona Leste de São Paulo, a rotina de moradores do Condomínio In Trianon, no Jardim Ibitirama, foi abruptamente interrompida por uma série de eventos que desencadearam um pesadelo de 80 horas sem eletricidade.
O drama começou na tarde de uma sexta-feira, durante as fortes chuvas que causaram um apagão, que por sua vez, deixou milhões de moradores sem luz em parte da grande São Paulo.
No condomínio, a falta de luz acabou dando início a um filme de terror: uma das torres do condomínio seguiu às escuras mesmo com as outras três torres do condomínio e o restante da vizinhança com o serviço restabelecido no dia seguinte.
A luta para recuperar a eletricidade tornou-se uma verdadeira epopeia para os moradores. Alguns deles tiveram que subir 18 andares com baldes na cabeça para tomar banho.
Os moradores ainda enfrentaram um princípio de incêndio gerado por uma vela e brigaram entre si para pagar propina de R$ 3 mil a um suposto “especialista”, que se apresentou como suposto funcionário da Enel e afirmava que iria resolver o problema.
Apagão em São Paulo
Na última sexta-feira, 3 de novembro, um temporal com ventos de mais de 100 km/h provocou a queda de centenas de árvores na cidade, derrubando o fornecimento de energia elétrica na grande São Paulo.
Ao todo, mais de 2 milhões de casas chegaram a ficar sem luz.
Como começou o problema no condomínio?
O problema no Condomínio In Trianon, na Vila Prudente, começou quando o edifício na Av. Dr. Francisco Mesquita ficou sem energia elétrica.
Enquanto as outras três torres do condomínio e a vizinhança tiveram a energia restabelecida no dia seguinte, o edifício permaneceu sem luz.
O publicitário Anderson Oliveira, de 41 anos, relatou à reportagem do G1 que os transtornos começaram quando as luzes de emergência das escadas não funcionaram durante o apagão.
"Quando a vizinhança toda estava com luz e a gente não, logo sacamos que o problema não estava em uma árvore que caiu por perto. A própria administradora informou que poderia ser um problema da rede do prédio, que é diferente das outras torres. Mas no meio de tanta ocorrência na cidade, nosso problema deve ter se perdido na Enel, ou não tratado como prioridade. Os dias foram passando, a luz não voltava", disse o publicitário ao g1.
As tentativas de contato com a Enel
As complicações continuaram se intensificando enquanto os condôminos tentavam contato com a Enel, responsável pelo fornecimento de energia na região.
Os moradores fizeram inúmeros chamados para tentar resolver o problema, mas a concessionária não atendeu prontamente. A falta de luz persistiu por quatro dias, levando os moradores a ficarem desesperados.
Falta de energia afetou o abastecimento de água
Não bastasse isso, a falta de energia ainda afetou o abastecimento de água nos apartamentos.
Sem luz, a água não era bombeada, obrigando os moradores a buscar água nos demais prédios do condomínio e subir vários andares com baldes na cabeça para tomar banho e dar descarga nos banheiros.
"É um prédio com muitos idosos e gente de mobilidade reduzida. Imagina subir 18 andares com balde na cabeça e só a lanterna do celular para enxergar os degraus?", destacou Oliveira.
Vela causa princípio de incêndio
Durante o período em que o edifício ficou sem energia, houve um princípio de incêndio causado por uma vela. A esposa de um morador percebeu a fumaça preta saindo de um dos apartamentos e gritou para alertar os vizinhos. Felizmente, ninguém se feriu, e o incêndio foi controlado por um vizinho.
“Minha esposa saiu gritando que estava pegando fogo no apartamento. Como a porta estava aberta, um dos vizinhos conseguiu entrar e apagou o princípio de incêndio causado por uma vela. Não sabemos onde a pessoa estava, suspeitamos que tinha descido do apartamento para pegar água”, contou outro morador.
Ele ainda destacou que como o sinal de celular estava fraco, não foi possível acionar o Corpo de Bombeiros.
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Morte de cachorra
Durante o tempo sem energia, o morador que trouxe o relato acima perdeu sua cadela de estimação, que estava doente e necessitava de cuidados veterinários.
A falta de energia prejudicou o contato com a veterinária, levando à decisão de sacrificar a cadela em casa.
"Ela adoeceu e estávamos tentando descobrir a causa. A falta de energia acabou prejudicando o contato com a veterinária que estava cuidando dela. Nesse piora, tivemos que sacrificá-la e, isso foi feito aqui em casa mesmo. Estou sem carro e nem todo aplicativo aceita transportar. Ela estava com edema pulmonar e inchaço abdominal e, se ficasse nervosa poderia falecer. Então ela foi cuidada em casa e medicada, mas piorou e tivemos que fazer a eutanásia no escuro, ela já não oxigenava mais", completa.
Briga por pagamento de propina
Você não leu errado. Durante o período, houve até mesmo uma briga em virtude de um pedido de propina.
Devido ao desespero causado pela falta de energia, alguns moradores foram abordados por alguém que se apresentou como um suposto funcionário da empresa de energia, a Enel, oferecendo resolver o problema "por fora" mediante o pagamento de R$ 3 mil.
Isso levou a uma disputa entre os condôminos, alguns dispostos a colaborar financeiramente, enquanto outros temiam as consequências legais de tal ação.
"No desespero, muita gente se propôs a colaborar. Mas virou uma guerra no escuro, porque muitos como eu achavam que, se fosse um "gato" no poste, o prédio poderia ser multado alto e a falta de luz virar uma dor de cabeça ainda mais cara", contou um dos moradores.
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Equipe da Enel é “sequestrada”
Uma equipe da Enel apareceu no prédio apenas por volta das 18h da segunda-feira (6), alegando que não poderiam resolver o problema coletivo e que era necessária uma equipe mais especializada.
Isso gerou a revolta dos moradores, que bloquearam a rua e "sequestraram" a equipe da Enel. A polícia interveio, e após várias horas de negociação, o caminhão da Enel foi retido até a chegada de outra equipe, que conseguiu restabelecer a energia em cerca de vinte minutos.
"Umas 40 pessoas desceram e resolveram fechar a rua e impedir que o caminhão da Enel fosse embora. Logo encostou a polícia e começou a negociar a liberação da equipe e da via. Foram umas 3 ou 4 horas de conversa, que só terminou com o compromisso intermediado pela polícia, de que outro caminhão encostaria no prédio em seguida", relatou outro morador.
O desfecho do caso
Depois de tanto sofrimento, seria impossível dizer que houve um “final feliz” nessa história. A retomada do fornecimento de energia, após quatro dias, foi comemorada pelos moradores ainda com a polícia na porta e a avenida interditada.
"Claramente era um problema relativamente simples, que poderia ter sido resolvido antes e não deixado quase cem famílias às escuras. Faltou senso de prioridade, organização e respeito da Enel", disse um dos condôminos.
Procurada pela reportagem do g1, a Enel alegou que "não tem conhecimento sobre o caso".
Depois de tanto sufoco, os moradores se dizem emocionalmente exaustos e com a sensação de abandonados pelo Poder Público.
"80h depois, a luz voltou. Foram 5 horas de protesto num frio terrível. Foi um inferno que agora acabou. Agora é colher os cacos e seguir a vida. A sensação é a de que a cidade de São Paulo está abandonada. E o Poder Público nas mãos da Enel e do capital privado”, lamentou um morador.
Este caso ressalta a importância de uma resposta eficaz por parte das concessionárias de serviços públicos em situações de emergência, como apagões causados por eventos climáticos.
Além disso, destaca a necessidade de coordenação entre as autoridades locais e as empresas prestadoras de serviços para garantir a segurança e o bem-estar da população.
A situação vivida pelos moradores revela as consequências da falta de atenção e prioridade dada a esses problemas, deixando a comunidade em situação de vulnerabilidade por dias a fio.
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